18 agosto, 2025

Costuras

Ergue-te agora desse leito e rasga, sem piedade, a carne da manhã.

Vai, descortina devagar os mil véus que o dia traz.

Vai chorando e sorrindo, meio conformada, entre galos e latidos, como quem atravessa um furacão.

Escuta essa louca que se debate no fundo do peito, clamando por direção.

Hoje, tocarás o céu — o pai da tua morada, o teto da tua paixão.

Ainda de manhã, cumpre tua obrigação com os dentes: eles triturarão tudo o que o dia colocar em tua mão.

Afaga tua boca, cúmplice e traidora — hoje ela lutará ferozmente pelo pão.

Sai em busca do tudo e do nada, como se teu ofício fosse jogo, sina ou pura ilusão.

Estenda os lençóis, mergulhe no banho, encare a louça, abrace o chão.

Faz dos estilhaços do agora a costura possível da razão.