viaduto entupido improviso
um lar esquecido
almas atadas às calçadas postes marquizes
legiões de fumaça cumprindo uma
setença suicida
vultos urbanos a espera das
pernas
um ton, um son, um Silva
outro brasileiro encarnado de
origem esquecida
mais cedo alguém riscou um
homem-invisível
O Grafiteiro Oficial
varreu do sistema a sujeira com seu
cinza-revólver
um corpo rústico vivo
esticado no cobertor de tinta e
pó
um velho menino doente
sobrevivendo no absurdo latente
tem pedestre aflito cuidando
para não enxergar o óbvio abstrato
tira os meus sapatos furados
na sola da cabeça
que cola que gira que esfola
o colchão rasgado a minha pele
a cabeça perdida se encosta no
papelão
que desliza o caminho pro
cachimbo passar
depois vem a dor sem brisa
o bumba a bronca
o guarda a garoa
estou sozinho
nada se encaixa na cidade onde nada
pode parar
sutileza sã retirada à força
bruta
revista noturna que some calada
chocada
com a tristeza da pobreza
absoluta
no jornal um fumo um teco
um treco
vejo a nobreza de seu ato
na privada de um boteco
vivo o dia-a-dia no fio da
navalha
e refletindo o caos dessa cidade
que se espalha em brasa
lembrei de uns anos atrás
eu era o tal, era isso ou aquilo
dono do meu nariz
do destino
no abc saí da fábrica: fui!
percebi no ato que não tinha dom
pra ser escravo
hoje mega-delírio-sena-duro
amanhã já tô de volta no meu
estado futuro
como espelho de um cachorro
sarnento
a pessoa sacoleja num espasmo
violento
no funil das desgraças
quando o nó da garganta floresce à
luz da cachaça
no cio da loucura
a toa…
mas hoje eu acordei numa boa
no sol na água no som na cor
na paz no pleno feriado
só mesmo a avareza do homem que
se incomoda
com a beleza inesperada de um inimigo
velado
estamos todos aí amarrados em um
trem
passageiros da vida e morte
que tem inesperada direção
sou alguém no seu pé deitado acuado
com frio
que sangra todo dia
contra a própria natureza